21.6.11

Identificador de Cores

 
 
Matéria da revista Época - 18-06-2011
 
Ele viu a cor do dinheiro
O engenheiro Fernando Gil criou a primeira máquina que ajuda os cegos a identificar as cores, ler as notas de real e ganhar autonomia financeira
 
Aline Ribeiro
O paulistano Fernando Gil tem uma vida regrada. Estudou com afinco para se tornar engenheiro pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
Emendou um mestrado de três anos que lhe custou algumas madrugadas de sono. E hoje dá duro no trabalho, nos fins de semana inclusive. Apesar da qualificação (e do esforço), ele diz que não ganha um tostão. Aos 28 anos, afirma se manter com as economias da época de estagiário enquanto boa parte dos companheiros
de faculdade enriquece no mercado financeiro. A família não compreende sua trajetória quase franciscana. "Meus pais me perguntam quando vou arrumar um
emprego", diz. "É uma geração mais conservadora. Fica difícil entender o que faço."
Gil não é nenhum monge budista, tampouco desapegado de bens materiais. Ele só decidiu seguir um caminho diferente da maioria dos engenheiros, o do
empreendedorismo social. Sua empresa, a Auire (uma espécie de "olá" na
língua indígena javaés), nasceu com um propósito: desenvolver tecnologias para melhorar a rotina dos deficientes. Embora ainda não dê lucro, a Auire já alcançou um
feito. Criou um aparelho, também batizado de Auire, para interpretar cores e identificar cédulas de dinheiro voltado aos deficientes visuais. "Nosso
objetivo é garantir mais autonomia nas atividades simples do cotidiano", afirma Gil.
Para quem enxerga, entender o significado da ausência das cores não é um exercício mental imediato. Mas elas são imprescindíveis nas tarefas mais básicas.
Desde escolher uma maçã - verde ou vermelha - no supermercado. Até distinguir entre a pílula para dor de cabeça e a usada para a garganta quando ambas têm o mesmo
formato.
A engenhoca de Gil está em fase de testes. É semelhante a um controle remoto usado para abrir o portão de casa. O aparelho ainda precisa de ajustes. Vez por outra, confunde a nota de R$ 5 com a de R$ 10 por causa da tonalidade próxima.
Há equipamentos importados capazes de identificar cores. Mas não têm a função de reconhecer também o dinheiro. A maioria é feita nos Estados Unidos, onde todas as notas são verdes. A versão tropical tem outras vantagens. Além de falar português, é mais barata. Quando for para o mercado, dentro de dois meses,
deverá sair para o usuário final por cerca de R$ 500. A intenção de Gil é ganhar escala e chegar a um valor perto de R$ 100. Um leitor de cores importado
custa hoje R$ 1.200 na Laramara, a Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual.
 
INCLUSÃO
Fernando Gil testa seu leitor de cédulas e cores em São Paulo. O aparelho deverá custar menos que um leitor de cores importado O envolvimento com a questão social se deu cedo para Gil. A casa onde cresceu, em São Paulo, fica a quatro quarteirões de uma favela. Desde pequeno, conviveu com a vizinhança pobre. Começou a fazer trabalho voluntário na adolescência. "Não queria fazer voluntariado só no fim de semana, mas não encontrava um jeito de viver disso",
diz. Foi quando, em 2009, ele conheceu o Unreasonable Institute, uma incubadora
americana que seleciona jovens do mundo todo para um programa de dez semanas no Colorado. Faltava apenas uma ideia. Na época, ele namorava a também
estudante de engenharia da computação Nathalia Sautchuk, na USP. Ela havia feito o protótipo
de um leitor de cores para uma disciplina da faculdade. Eles decidiram então aprimorar o trabalho e inscrevê-lo. A Auire concorreu com 284 projetos de
inventores. Foi um dos 25 escolhidos. O único de uma equipe brasileira. Gil combinou com Nathalia que ele iria para o Colorado. Lá aprendeu estratégias de
marketing e como elaborar um plano de negócio. Depois do curso, o casal abriu a empresa. Mas o namoro acabou, e Nathalia saiu do projeto.
O potencial (tanto econômico quanto social) da Auire parece grande. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há no mundo 314 milhões de pessoas com
algum problema visual. Cerca de 87% vivem em países pobres. Só o Brasil tem 148 mil cegos. Como Leonardo Ferreira, de 23 anos, que nasceu cego no interior de
Pernambuco. Na esperança de que o filho conseguisse enxergar, seus pais o levaram para São Paulo. Aos 4 anos, o menino passou por uma cirurgia de
glaucoma e ganhou 15% da visão. Aos 15, ficou cego de novo. Ferreira teve tempo de conhecer as cores. Acha que branco "cai bem" com preto. E que amarelo não
combina com roxo. Quando se veste pela manhã, reconhece as roupas pelo tato. Tem tudo decorado na cabeça. Mas para uma peça nova precisa de auxílio. "O
leitor nos dá mais independência e autoestima", diz Ferreira, que testou o aparelho. O
equipamento faz mais que ajudar os deficientes a se adequar à estética do mundo dos que enxergam. "Hoje, quando um cego compra algo, ele precisa confiar em
quem seleciona as notas do troco. Agora, poderemos conferir nós mesmos", afirma.
É mais um passo para a autonomia financeira.
Matéria da revista Época
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Esclarecendo:
Não é inteiramente correto dizer que um identificador de cores custe R$1200.  Talvez seja verdade que na instituição citada, LARAMARA, isso seja verdadeiro, afinal lá as coisas custam os olhos da cara, até porque não farão falta aos cegos mesmo.
Mas na Tiflotecnia Brasil,
www.tiflotecnia.com.br
uma empresa de Portugal que se estabeleceu no Brasil há pouco tempo, este mesmo identificador de cores custa R$390,00. Ou seja, quase um quarto do valor cobrado pela LARAMARA, uma instituição como é mesmo que se diz? Sem fins lucrativos... Imagine se fosse...
O mérito do Auire, é ser um invento brasileiro, desenvolvido sem recursos, este sim, quase sem fins lucrativos, e ter também o foco na identificação de notas de real.
Parabéns ao engenheiro Fernando Gil e à Auire, pelo empenho e pelo exemplo de inclusão.
Quanto ao potencial da empresa, também acredito que é grande embora eu não acredite que no Brasil tenha apenas 148 mil cegos. Não confio nos dados imprecisos do IBGE e do pseudo senso. Tenho bons motivos para afirmar isso.
Pois o senso não é feito de forma a identificar quantos, e se há deficientes em todas as casas que visitam. Aplicam um questionário , que nem sempre é o questionário completo. Na minha casa por exemplo, onde eu e minha esposa somos cegos, e moramos sozinhos, bem como na casa da minha cunhada que tem problema visual, o IBGE, se quer visitou. Quanto mais aplicar o questionário completo... Podemos acreditar nessa estatística?

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