Consultor Jurídico
Judiciário é complacente ao decidir sobre danos morais
Judiciário é complacente ao decidir sobre danos morais
A quem o Judiciário deve proteger? Qual o objetivo da multa diária? Não seria evitar que fornecedores, de maneira geral, deixassem de cometer ilícitos contra os consumidores? O que o Judiciário tem feito na prática? O que tem feito para que esses fornecedores, principalmente os contumazes, modifiquem seu padrão de comportamento? Como garantir o efeito didático e dissuasório das penas civis?
As astreintes no sistema processual brasileiro: punição ou desestímulo?
Antes de tratarmos das astreintes será de bom tom fazermos uma pequena abordagem a respeito das indenizações em nosso país. Como se sabe, a reparação por danos está prevista na Carta Constitucional de 1988, mais precisamente no artigo 5o, inciso V. Com base nessa premissa, outras normas estabeleceram situações em que a reparação por danos será devida. O diploma consumerista é um exemplo e merecerá maior destaque neste artigo, vez que, seja na responsabilidade por fato do produto ou serviço, seja na responsabilidade por vício, a reparação por danos está devidamente consolidada na Lei 8.078/90.
Antes de tratarmos das astreintes será de bom tom fazermos uma pequena abordagem a respeito das indenizações em nosso país. Como se sabe, a reparação por danos está prevista na Carta Constitucional de 1988, mais precisamente no artigo 5o, inciso V. Com base nessa premissa, outras normas estabeleceram situações em que a reparação por danos será devida. O diploma consumerista é um exemplo e merecerá maior destaque neste artigo, vez que, seja na responsabilidade por fato do produto ou serviço, seja na responsabilidade por vício, a reparação por danos está devidamente consolidada na Lei 8.078/90.
O objetivo, em princípio, parece ser claro: reparar os danos sofridos. Todavia, será que ele é tão simples assim? Quando falamos de reparação por danos materiais, esse objetivo se revela óbvio. Seja dano emergente ou lucro cessante, a intenção é fazer com que a vítima da lesão retorne ao status quo ante.
Mas e no caso do dano moral? Como repará-lo? Em casos como esse, o julgador busca encontrar um valor que compense ou atenue o sofrimento da vítima, ao mesmo tempo em que ... o ofensor.
As reticências no período anterior não são erro gráfico, mas foram propositalmente colocadas, posto ser, justamente nesse momento, que as teorias e correntes entram em conflito. O espaço deve ser completado com um entre dois termos ou com a soma de ambos, sendo eles "punir" ou "desestimular"? Ou seria mais adequado afirmar que o valor da indenização visa a punição e, concomitantemente, o desestímulo ao erro?
Vale anotar que "desestímulo" não será apenas para o ofensor, de modo que não repita a mesma conduta dali por diante, mas para toda a sociedade. Nesse passo, não custa lembrar a expressão "repercussão geral". Cada decisão do Judiciário tem um condão de notícia à população em geral sobre como agir. É bastante comum em nosso sistema processual vermos nas sentenças a expressão "caráter punitivo-pedagógico da pena". Mas de onde surgiu esta expressão?
O punitive damages é oriundo do direito norte-americano e tem como objetivo não apenas compensar a vítima de uma lesão, mas de efetivamente punir o ofensor causando-lhe um verdadeiro prejuízo financeiro. Está mais próximo da vendeta, um conceito bem relevante na cultura dos EUA.
Já no Brasil, apesar da discussão que envolve o tema, a indenização visa o desestímulo ao danoso, muito mais do que uma possível punição, embora os conceitos andem, salvo melhor juízo, intimamente ligados. Ninguém discute o efeito da impunidade no comportamento da coletividade. Isso se expressa no direito criminal, no cível e no trabalhista.
Longe de ser um tema pacífico, não pretendo esgotá-lo aqui, mas apenas pontuar a questão e deixar minha posição no sentido de que a reparação moral está mais próxima do desestímulo do que da punição. A punição tem efeito individual, assim como a reparação do ofendido, mas o grande efeito social é desestimular o ofensor e, em especial, aqueles que tomam conhecimento do funcionamento a contento do Poder Judiciário a ter condutas semelhantes. Um processo exemplar no tempo de tramitação e na solução final é o melhor antídoto para evitar novos processos, ao passo que processos demorados e com resultados pífios para o ofendido são os maiores estimulantes para que os ofensores não mudem de padrão de comportamento. A percepção, especialmente dos comerciantes e empresas, é simples: eles farão aquilo que der mais retorno financeiro, mais lucro.
Uma das maiores responsabilidades do Poder Judiciário é passar para as empresas e empreendedores a notícia de que errar não dá lucro. Mas não é o que tem sido feito até aqui, ao menos não em dose suficiente. Recomenda-se a leitura do elucidativo artigo "O caráter punitivo das indenizações por danos morais" (2002) do nobre magistrado Osny Claro de Oliveira Junior.
Nessa hora, o leitor pode estar indagando qual a relação dessa discussão com as astreintes ou a popular multa por descumprimento de obrigação. As astreintes, assim como as indenizações por danos morais (englobando no conceito os danos estético e de imagem), devem ter por objetivo desestimular o ofensor e não necessariamente puni-lo. E mais que isso, desestimular o mercado a reproduzir o comportamento punido. Em suma, a punição é secundária diante do efeito didático e dissuasório.
Está previsto no artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor que nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação, o juiz poderá conceder tutela específica para seu atendimento, esclarecendo no parágrafo quarto que o magistrado poderá impor multa diária para garantir a eficácia da determinação. Evidente que a intenção do legislador foi criar algo que gerasse um desestímulo ao ofensor. O descumprimento implicaria no pagamento de um determinado valor multiplicado pelo período da afronta. O legislador teve a percepção do óbvio para quem lida com o capitalismo e o mercado: empresas e comerciantes fazem, ou deixam de fazer, movidos pelo lucro.
Ainda que existam empreendedores, empresas e comerciantes movidos pelo sonho, pelo ideal, e de comportamento exemplar, apenas inocência próxima da dos querubins pode imaginar que outra coisa que não a punição "no bolso" irá fazer com que capitalistas, de maior ou menor porte, façam ou deixem de fazer algo. O legislador não foi ingênuo, apenas isso. Nas palavras do professor Guilherme Couto de Castro (2009: 101-102), as astreintes são "a pena pecuniária imposta pelo magistrado à parte recalcitrante em cumprir certa ordem judicial".
Embora utilize o termo "pena", é evidente que o mesmo não pode ser interpretado como punição mera e simples, como vindita e nada mais. A real intenção do legislador foi fazer com que a parte recalcitrante desejasse deixar de ser. O objetivo é fazer com que o fornecedor se sinta desestimulado em permanecer na prática ilícita. E da repetição dessas punições didáticas, e da sua observação pela comunidade, que se estabeleça uma nova cultura.
Nesse passo, o estímulo ao comportamento probo tem relevância extraordinária, pois ninguém discute que a miséria e a corrupção de nosso país têm grande relação com a cultura do "jeitinho" e da malfadada "Lei de Gerson".
Este artigo foi escrito porque o Judiciário tem, ao invés de praticar o desestímulo ao erro, dado um literal "jeitinho" de tornar menos dura a pena para os recalcitrantes e sua recalcitrância, estimulado o erro e não o conserto.
O estímulo à ilicitude: necessidade de o Judiciário levar a sério suas próprias decisões
O Judiciário tem a facilidade de complicar questões que seriam, aparentemente, fáceis de serem tratadas. É o caso.
O legislador criou, de forma bastante objetiva, a possibilidade de fixação de multa diária em caso de descumprimento de obrigação. Se o fornecedor, intimado para o cumprimento de obrigação, deixa de atender ao comando judicial, ele arcará com sua inércia. Simples assim, correto? Não, infelizmente não, pois o Judiciário, sob as justificativas mais absurdas, vem diariamente distorcendo o conceito e a função da multa.
Enriquecimento sem causa e enriquecimento ilícito são os argumentos mais utilizados para justificar a redução ou até mesmo a exclusão das multas impostas. Tal entendimento, além de flagrantemente equivocado, conduz a uma situação danosa em vários aspectos: o ofensor não se sente desestimulado, já que tem a convicção de que a multa não irá prosperar. O consumidor se sente desprotegido e o Judiciário, que não sustenta suas próprias determinações, passa uma imagem de descrédito.
14/setembro/2011
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Um texto com o qual concordo plenamente, escrito de maneira culta e politicamente correta como tem de ser, e que, eu não consigo.
Pois onde está escrito com muita propriedade e verdade:
"o Judiciário tem, ao invés de praticar o desestímulo ao erro, dado um literal "jeitinho" de tornar menos dura a pena para os recalcitrantes e sua recalcitrância, estimulado o erro e não o conserto.
Um texto com o qual concordo plenamente, escrito de maneira culta e politicamente correta como tem de ser, e que, eu não consigo.
Pois onde está escrito com muita propriedade e verdade:
"o Judiciário tem, ao invés de praticar o desestímulo ao erro, dado um literal "jeitinho" de tornar menos dura a pena para os recalcitrantes e sua recalcitrância, estimulado o erro e não o conserto.
O estímulo à ilicitude: necessidade de o Judiciário levar a sério suas próprias decisões
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Eu escreveria que o judiciário não tem agido com justiça, arbitrando como danos morais verdadeiras esmolas que faz o efeito contrário ao de reparar o que quer que seja. Pelo contrário, as esmolas que a justiça tem sistematicamente concedido como indenização por reparação de danos, deixam o ofendido ainda mais ofendido, e ao invés de reparar o dano pelo qual pleiteia, só o faz agravar.
Quanto ao ofensor, além de ficar muito contente com a injustiça do judiciário, se sente confortável porque sabe que ao contrário do que prega a sabedoria popular, o crime compensa, e muito.
Afinal, o que são míseros R$5.000,00 (cinco mil reais), para uma poderosa e bilionária instituição bancária? E são esses valores que o judiciário via de regra, impõe como punição ou efeito pedagógico. Nem faz uma coisa nem outra. Ou melhor, como caráter pedagógico, de fato funciona. O caráter pedagógico tem o condão de ensinar alguma coisa certo? Pois bem, essas vergonhosas indenizações de fato ensinam algo. Ensinam aos ofensores que um trocadinho como indenização já resolve o problema causado por sua má conduta. E, como tenho bilhões de lucros por ano, o que são uns trocadinhos aqui e ali. Além do que, com isso, a maioria dos ofendidos não vão querer enfrentar uma demanda judicial, perder tempo, se estressar, para conseguir uns trocados. Deixa pra lá... O pobre não tem moral nem direito a nada mesmo...
E assim, cada vez mais o cidadão deixa de acreditar na justiça, e os maus empresários ficam com a certeza da impunidade.
Quanto ao ofensor, além de ficar muito contente com a injustiça do judiciário, se sente confortável porque sabe que ao contrário do que prega a sabedoria popular, o crime compensa, e muito.
Afinal, o que são míseros R$5.000,00 (cinco mil reais), para uma poderosa e bilionária instituição bancária? E são esses valores que o judiciário via de regra, impõe como punição ou efeito pedagógico. Nem faz uma coisa nem outra. Ou melhor, como caráter pedagógico, de fato funciona. O caráter pedagógico tem o condão de ensinar alguma coisa certo? Pois bem, essas vergonhosas indenizações de fato ensinam algo. Ensinam aos ofensores que um trocadinho como indenização já resolve o problema causado por sua má conduta. E, como tenho bilhões de lucros por ano, o que são uns trocadinhos aqui e ali. Além do que, com isso, a maioria dos ofendidos não vão querer enfrentar uma demanda judicial, perder tempo, se estressar, para conseguir uns trocados. Deixa pra lá... O pobre não tem moral nem direito a nada mesmo...
E assim, cada vez mais o cidadão deixa de acreditar na justiça, e os maus empresários ficam com a certeza da impunidade.
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