1.9.11

Discriminação em mais um restaurante

Li o texto que ora vos envio, duas vezes; fechei o arquivo, tornei a abrir, copiei o texto e colo abaixo... às vezes a indignação é tanta que faltam palavras para comentar. Aliás, faltam palavras... Na verdade, não faltam, mas as que eu gostaria de falar, ninguém é obrigado a ler, e não adiantaria nada mesmo. Então apenas fiquemos com o relato.

 

 

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Animados pela boa recepção da crítica especializada à cozinha do Epice (rua Haddock Lobo, nº 1002), recentemente em viagem a São Paulo fizemos reserva para um jantar com familiares e amigos para o dia 14 de maio último passado, às 20:00 horas (a pedido do restaurante, a reserva foi postergada em trinta minutos, devido a um atraso na abertura do estabelecimento).

             No ato da reserva, em conversa telefônica com a Srª Lara Aboul Ezze Ddine, sócia do restaurante, destacou-se que um dos integrantes do grupo seria uma criança, no caso o nosso filho (um lindo menino, nascido em São Paulo-SP, em 21/09/2003). Com tranqüilidade, ela respondeu que não haveria problema. A reserva foi feita sem qualquer hesitação ou resistência.

            Detalhe: o nosso filho é uma criança maravilhosa de sete anos e meio de idade e que apresenta um distúrbio neurolinguístico, denominado semântico pragmático. Trata-se de um distúrbio de espectro autista, cujos sintomas principais são dificuldade em se socializar e na comunicação.

            No dia da reserva fomos até o restaurante, juntamente com o nosso filho. No local nos aguardavam George Salomão Leite, irmão deste que subscreve, e a esposa dele, Walquíria. Ambos foram bem atendidos. O couvert foi servido normalmente, junto com as bebidas solicitadas.

            Todavia, o que para nós seria um jantar agradável em companhia de pessoas queridas, revelou-se, na verdade, um pesadelo.

            Assim que chegamos ao Epice, ainda enquanto nos acomodávamos à mesa, fomos abordados pelo Sr. Pedro Keese de Castro, outro sócio da casa e que, nitidamente, dirigia o restaurante na ocasião. Em tom nervoso e de pé, em frente à nossa mesa, e referindo-se ao nosso filho, ele começou a relatar que se preocupava com o bem estar dos demais clientes e que não poderíamos perturbar o jantar das demais pessoas. Criou-se uma situação extremamente constrangedora. Ficou bastante claro que o Sr. Pedro estava incomodado com a presença do nosso filho e, pior, ficou ainda mais nítido que ele não tinha a menor idéia de como lidar com a situação. Ou seja, ele estava diante de uma criança com necessidades especiais, que, conforme a percepção dele, "colocaria em risco" a tranqüilidade dos demais comensais e, em razão disso, a única medida possível que ele vislumbrou foi nos afastar do interior do restaurante.

            Não há dúvida alguma de que os fatores que chamaram atenção do Sr. Pedro foi o gestual estereotipado que o nosso filho apresenta às vezes, como também o emprego da fala em um tom acima do adequado para uma conversa (como ele se comunica em algumas situações), já que, assim que nos sentamos à mesa, a criança começou insistentemente a pedir suco.

            Ressaltamos que nenhum transtorno foi causado aos demais clientes, que jantavam normalmente e assim permaneceram. Até mesmo pelo fato de que a nossa permanência no Epice seguramente não ultrapassou os sete minutos.

            Feita a abordagem por ele, fomos embora imediatamente. Inclusive, ele permaneceu de pé, na cabeceira da mesa, durante todo o tempo, até que fossemos embora.

            O chocante dessa história toda é que fomos "convidados" a ir embora do restaurante por um único motivo: o fato de o nosso filho apresentar necessidades especiais.

            Destacamos que o distúrbio que o nosso filho apresenta não é motivo para que outras pessoas sejam invadidas em sua privacidade e sujeitas a qualquer incômodo. Parece-nos bastante justo que quem se dirige a um restaurante ou a outro local público, em busca de lazer ou de outra programação, tenha assegurado o direito a permanecer em paz e tenha a sua esfera pessoal preservada.

            Entretanto, reforçamos que nenhum mal estar, incômodo ou inconveniente de qualquer espécie foi causado, até mesmo por não ter havido tempo hábil para tal, vez que fomos obrigados a deixar o Epice ainda enquanto nos acomodávamos à mesa.

            Também é importante relatar que o nosso filho (até mesmo por determinação terapêutica) convive socialmente com todos e, destaque-se, tal convivência é absolutamente harmoniosa. Rotineiramente, ele é levado por nós a restaurantes, shoppings, parques, cinemas, em viagens e em nenhuma outra ocasião tivemos qualquer problema conforme o que agora é descrito.

            Sem correr risco de erro de julgamento, não há a menor dúvida: fomos "convidados" a sair do restaurante pelo fato de alguns sintomas do distúrbio que o nosso filho apresenta terem sido exteriorizados em nossa chegada ao Epice.

            Sobre a atitude do Sr. Pedro, é possível qualificá-la como preconceituosa, inaceitável, imoral e, principalmente, ilegal. Trata-se de uma postura intolerante, incivilizada e desrespeitosa com o ser humano.

            De se lamentar que, nos dias de hoje, ainda haja lugares cuja política seja pautada na exclusão daqueles que são "diferentes", que estão fora do padrão de "normalidade", em nome do respeito ao "bom gosto" e à "etiqueta".

            Importante ainda destacar que a Srª Lara, embora não tenha participado ativamente do episódio, a tudo presenciou sem intervir em nenhum momento, de modo a corrigir o Sr. Pedro ou a repreendê-lo. Permaneceu em silêncio durante todo o tempo, em comportamento que ratificava a atitude do sócio.

             Levamos esse episódio ao conhecimento do Jornal Folha de São Paulo que, ao que tudo indica, publicará matéria sobre o ocorrido na edição dessa quarta-feira, 18 de maio, no Caderno Cotidiano.

            Em vista do relatado, por meio do presente denunciamos o caso ao Ministério Público de São Paulo e solicitamos que as medidas legais cabíveis sejam adotadas, como forma de punir os responsáveis, mas, principalmente, objetivando a tutela do interesse social, de modo que novas práticas como essa não atinjam outras pessoas.

 

            Cordialmente,

 

Glauber Salomão Leite, brasileiro, advogado, casado e orgulhoso pai de um pequeno herói

Carolina Valença Ferraz, brasileira, advogada, casada e a maravilhada mãe de um pequeno grande guerreiro

 

Glauber – glauber-leite@uol.com.br

Carolina – carolina-vf@uol.com.br

 

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Publicado em www.enxergabrasil.com

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