15.3.09

O melhor, e o mais raro, amigo

O melhor, e o mais raro, amigo
O Rio tem 200 cegos na longa fila de espera por cães-guia, que levam dois anos para ser treinados
Letícia Pimenta
Fotos Selmy Yassuda


Jonas Santiago com Zuca: "Não sei como ela consegue diferenciar o banheiro masculino do feminino, mas nunca errou"
Ao chegar à estação das barcas, em Niterói, na terça-feira de manhã, o estudante Jonas Santiago caminhava tranquilamente enquanto terminava de fumar. A cena seguinte amoleceria o coração até mesmo do mais empedernido antitabagista. "Zuca, lixo!", ordenou Jonas. A cadela da raça labrador, de 2 anos e 7 meses, conduziu seu companheiro à lixeira mais próxima para que ele apagasse a guimba do cigarro. Zuca é o cão-guia que ajuda Jonas, 24 anos – cego desde os 10, vitimado por uma doença degenerativa da retina –, a se locomover com segurança e liberdade. Ela leva o jovem a qualquer lugar. Conhece o caminho para os bares que ele frequenta, para a academia de ginástica e para a estação das barcas, de onde Jonas se desloca todos os dias para ir à faculdade de marketing, no centro do Rio. Basta dizer a palavra e a cadela leva seu dono aonde ele precisa. Elevador, banco, escada, banheiro. Zuca sabe tudo.
Amparado pela Lei Federal nº 11 126, o animal pode entrar em qualquer local público ou privado de uso coletivo. Se necessário, em hospitais, com exceção das áreas infectocontagiosas, de oncologia e preparo de alimentos. "Ela me surpreende todo dia", diz o estudante. "Até hoje não sei como consegue diferenciar o banheiro masculino do feminino. Nunca errou." Jonas Santiago é um dos poucos privilegiados a possuir um cão-guia no Brasil. Segundo o IBGE, dos 16 milhões de portadores de alguma deficiência visual, 160 000 se declaram cegos. Dados do Instituto de Responsabilidade e Inclusão Social (Iris), de São Paulo, informam que há pouco mais de cinquenta cães-guia no Brasil, boa parte deles vinda de instituições nos Estados Unidos, portanto treinados em inglês.
A obtenção de um cão-guia no Brasil ou no exterior é gratuita. Todos os custos de treinamento e cuidados com o bicho são financiados por empresas privadas e doações. O candidato precisa se inscrever em alguma entidade de apoio a deficientes visuais e aguardar o chamado para iniciar a adaptação com o cachorro, que dura em média três semanas. Sua doação segue a mesma ética da doação de órgãos humanos. É proibido furar fila ou pagar pelo animal. No Brasil, há cerca de 2 000 interessados em obter um cão-guia, 200 deles no Rio. Cada um leva dois anos para ser treinado. Por isso, a espera pode ser longa.


George Harisson com o labrador Lucky: treinar um cão-guia leva dois anos e custa 30 000 reais
Jonas e Zuca estão juntos há sete meses e foram apresentados pelo treinador carioca George Thomaz Harisson, 33 anos, o único na cidade especializado em cães-guia. Seu projeto, o Cão-Guia Brasil, começou em 2006. É financiado por uma rede de pet shops e por uma distribuidora de produtos para animais. As empresas apadrinham os cães e bancam os custos de treinamento, alimentação e veterinário, cerca de 30 000 reais por animal ao longo dos dois anos. Harisson já entregou dois cães e está treinando o terceiro, Lucky, um labrador preto de 1 ano e 4 meses, que deve ganhar um dono antes do fim de 2009. Um filhote dessa raça, de linhagem selecionada, pode custar 3 000 reais.
Treinador de cães há quinze anos, Harisson conheceu o trabalho dos cães-guia em 2000, com a professora Ethel Rosenfeld. Em 1997, Ethel trouxe dos Estados Unidos o labrador Gem, que morreu de velhice no ano passado, com quase 13 anos. Até que a legislação sobre o assunto entrasse em vigor, Ethel e Gem foram barrados em todos os cantos, do metrô ao Teatro Municipal. Ele virou celebridade por ser o único da cidade na época e colheu os frutos da fama. Suas patas estão gravadas na Calçada da Fama Animal em Washington.


Essa foi retirada do site da Veja Rio.
Reportagem
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