5.3.13

Artigo escrito em 2005, acerca de declarações da Avape, na Reatech

 
Para o caso de alguém não querer clicar no link indicado no post abaixo, aqui está o artigo do qual fiz menção, que escrevi em abril de 2005, para o site da rede saci, acerca da declaração da Avape:
 
 "É Difícil Inserir a Pessoa Cega no Mercado de Trabalho".
 
 
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   "É difícil inserir o cego no mercado de trabalho", diz AVAPE
Rede SACI
26/04/2005
 
Marcos André Leandro reflete sobre as causas da falta de oportunidades de emprego para pessoas com deficiência visual
Marcos André Leandro
 
Estive na feira Reatech.
 
Visitei vários stands, e fiz vários cadastros. Cadastros de currículos, claro, já que estou disponível para o mercado de trabalho há quase dois anos. Visitei o stand da AME, Sentidos, Adeva, Gelre, INMETRO, OAB e AVAPE.
 
No stand da AVAPE, foi onde tive a recepção que me motivou a escrever este artigo.
 
Perguntei se precisava renovar meu cadastro, ou se o cadastro que fizera pela Internet via e-mail, já era suficiente.
 
A mulher que me recebeu, do departamento de seleção e RH, começou me dizendo que a colocação de deficientes visuais no mercado de trabalho, era muito difícil.
 
Mas que eu poderia pedir a alguém para enviar meu currículo por e-mail para eles.
 
Pedir... Pedir por quê?
 
Será que nem mesmo as pessoas da AVAPE, que se dizem lutar pela inclusão do deficiente, não sabem que nós cegos, não precisamos de ninguém para enviar currículo ou qualquer outra coisa por e-mail?
 
É por essas pessoas desinformadas que ocupam lugares de destaque em empresas e até mesmo em ONGs, que nós cegos, somos prejudicados no tocante a colocação profissional.
 
Essas pessoas, e os empresários não sabem que temos total condições de utilizar o computador como qualquer outra pessoa. E, assim sendo, poderíamos perfeitamente exercer entre outras, a função de atendimento ao cliente via e-mail e telefone, que podemos cadastrar clientes, efetuar pesquisas, podemos e, deveríamos trabalhar em provedores de Internet, etc.
 
Falando em provedores, tal como esses empresários, os provedores não dão a mínima importância aos seus clientes portadores de deficiência visual. Qualquer cliente de provedor pagos, como Terra, Uol, Bol, e qualquer outro, pode fazer um teste. Liguem para um desses provedores pedindo por exemplo, uma ajuda para configurar sua conta de e-mail no Outlook Express, dizendo que não estão conseguindo enviar e-mails.
 
O atendente vai começar com aquela ladainha besta dizendo:
 
- Feche todas as janelas. Agora clique em iniciar, clique em programas, clique... Até aí tudo bem, se o cliente do outro lado da linha não fosse cego. Cego não clica em lugar nenhum. O problema é que se você disser:
 
- Mas eu sou deficiente visual. Como é que eu faço usando o teclado?
 
A GRANDE maioria dos analistas de suporte, não saberão responder, por que não conhecem atalhos de teclado. Digo isso por experiência própria, e relatos de outros amigos, que precisaram de ajuda e, não tiveram.
 
Então, o mais certo seria pelo menos em cada provedor haver no mínimo um cego trabalhando. Pois este saberia atender um outro deficiente visual, e atenderia a um vidente tão bem como atende a um cego. Ao contrário dos atendentes a que estamos acostumados, que só são capazes de atender clientes "normais".
 
Mas os próprios cegos, e as associações que supostamente, estão empenhados na inclusão do deficiente visual, não tomam nenhuma providência no sentido de mudar essa concepção errada que os empresários têm em relação aos cegos.
 
Não divulgam os softwares leitores de tela existentes no mercado, não fazem uma campanha para esclarecer que por meio destes leitores de tela, nós temos acesso a 95% dos recursos do computador, usando o Windows, o Office entre outros programas.
 
Não mostram que a idéia de fazer adaptações na empresa para receber um cego, é absolutamente equivocada, que a empresa vai ter de investir alto num computador de última geração, para instalar um leitor de tela, é outra idéia equivocada, e que o mesmo computador que um cego usa pode ser perfeitamente utilizado por uma pessoa "normal", etc.
 
Enfim, parece que a existência de cegos desempregados alimenta a indústria do assistencialismo.
 
Sim, pois sem cegos desempregados, não haverá mais candidatos aos inúmeros cursos oferecidos pelas diversas instituições espalhadas por São Paulo. Cursos que servem apenas como uma espécie de terapia ocupacional, já que nós fazemos, quer dizer, nós não, porque eu já parei com essas terapias. As traças da minha gaveta já estão bem gordinhas com tantos certificados. Prefiro ficar em casa mesmo, enquanto não consigo uma recolocação profissional. Mas os outros cegos, fazem cursos e mais cursos, e uma oportunidade de por em prática o que foi ensinado em tais cursos, não se tem.
 
Porque as instituições com exceção de duas, que eu conheço, não se preocupam em criar essas oportunidades. Apenas oferecem cursos, (terapia ocupacional) e nem mesmo, se preocupam em oferecer cursos de qualidade, cursos que de fato ensinem.
 
Muitas vezes os alunos entram no curso sem saber nada, e saem sem saber coisa nenhuma. Mas com um certificado, que eles juram servir para alguma coisa. E de fato servem: de comida para as traças.
 
Com exceção das mesmas duas instituições que eu conheço, cujos cursos são bons e de fato ensinam. Mas infelizmente, mesmo essas instituições, não se empenham em divulgar a capacidade do cego junto à informática.
 
Eu insisto tanto assim, em bater nessa tecla da informática, porque acredito que esta é a área onde nós temos total condição de atuar sem grandes dificuldades. Esse é o foco principal, pois é nesse setor onde podemos trabalhar sem necessitarmos de adaptações. Já que os empresários reclamam tanto de ter de fazerem adaptações, eu quero deixar bem claro, que isso é mentira!
 
Para um cego trabalhar com o computador usando o Windows e o Office, não é necessária NENHUMA, nenhuma adaptação! Única e tão somente, um software a ser comprado e instalado no computador!
 
Por acaso a compra e instalação de um software, é adaptação?
 
Porque se for, os empresários também não deveriam contratar engenheiros, pois precisam comprar e instalar o autocad para eles!
 
Não deveriam contratar técnicos de TI, porque eles precisam de softwares específicos também!
 
Ou seja, não consiste em adaptação nenhuma a aquisição e instalação de um software.
 
A falta de oportunidade de trabalho para os cegos, ocorre única e exclusivamente, por ignorância por parte dos empresários e profissionais de RH, e principalmente pela inércia, comodismo e falta de vontade, dos próprios cegos e seus representantes legais.
 
E por causa disso, sou obrigado a ficar em casa. Pois estou de mãos atadas diante de tanta discriminação.
 
Acho que vou abrir meu próprio telemarketing ativo, para captação de recursos.
 
Olá, meu nome é Marcos André Leandro, eu sou deficiente visual, e estou ligando porque não consigo uma colocação no mercado de trabalho, mas preciso pagar minhas contas que não param de chegar no fim do mês.
 
Com quanto o Sr(a), pode colaborar para manutenção da minha casa? Eu mesmo vou buscar a doação, e posso lhe dar um recibo.
 
Não é uma ótima idéia a minha? Já que nenhum empresário quer usar a minha capacidade, eu mesmo uso em causa própria. Estou amadurecendo esta idéia, e em breve, se continuar fora do mercado de trabalho, vou pô-la em prática.
 
Mas este artigo começou falando da recepção que tive no stand da AVAPE, que me deixou indignado. Voltemos ao tema principal. A mulher da AVAPE, disse que é muito difícil inserir um cego no mercado de trabalho. Na verdade, a mulher tem razão, por causa dos motivos já mencionado, é mesmo muito difícil inserir um deficiente visual no mercado de trabalho. Mas uma instituição como a AVAPE, confessar sua incompetência tão abertamente, é sem dúvida revoltante. Incompetência sim, pois isso ficou caracterizado na frase:
 
"Você pede para alguém enviar seu currículo via e-mail para nós"...
 
Não, não peço. Primeiro porque não preciso pedir, pois eu mesmo sei usar o computador, e digo com toda segurança: Uso melhor do que muitos "normais" que existem por aí.
 
E mesmo que eu já não tivesse enviado meu currículo via e-mail, para lá, não o faria novamente. Pois meu tempo é precioso, embora eu nada tenha para fazer.
 
Não ter o que fazer, tem suas vantagens. Escrever esses artigos por exemplo.
 
Quem sabe um dia alguém leia e entenda, o que quero dizer, e faça alguma coisa de fato consistente para mudar esse quadro de ignorância e desinformação imperantes.
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Recordações nada agradáveis, porém, por vezes necessárias.
Graças ao eterno, não precisei naquela ocasião, fazer o que estava planejando, pois uma verdadeira profissional de RH, leu o artigo acima, e fez o que a Avape não fez, ou seja, me deu oportunidade de mostrar a capacidade laboral de uma pessoa cega.
Fiquei três meses trabalhando naquela multinacional.
 
   -- "Mas só três meses? Então a Avape tinha razão, os empresários estão certos, o cego não tem mesmo preparo nem capacidade laboral."
 
Isso é o que você poderia pensar. Mas, é exatamente o contrário:
Ocorre que três meses depois que estava naquela empresa, fui nomeado no concurso que havia prestado, e vim assumir o cargo de Técnico Judiciário Federal, no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Então, a capacidade laboral e o preparo da pessoa cega, ficou mais uma vez provado.
E infelizmente ainda hoje, as pessoas cegas que estão fora do mercado de trabalho, enfrentam as mesmas dificuldades que enfrentei naquela época.
 

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